terça-feira, 5 de outubro de 2010


OLEO SOBRE LIENZO

Nunca mais o voltou a ver. Nunca mais lhe falou. A última vez que o fez foi para lhe dizer isso mesmo: «Nunca mais te falo. Para mim morreste, não existes mais». E assim foi. A ausência doeu-lhe mais do que doença. A vontade quase indomável de voltar atrás, de lhe dar novamente existência, queimava-lhe os movimentos. Um pêndulo emocional oscilava entre amá-lo outra vez ou matá-lo de vez. Tinha que pôr espaço entre os dois, já que o tempo nada distancia. O tempo tem destas coisas – não cria distância. Precisava de espaço.
Nunca acreditou que o amava porque sempre soube que ele era incapaz de amar. E também não queria amá-lo porque tudo nele lhe dizia que não valia a pena. Mas, infelizmente, amou-o. Caiu no lugar-comum do amor impossível. Se não soubesse que tudo não tinha passado de um jogo sórdido, poderia até afirmar que existiram bons momentos – momentos de carinho, amor talvez, momentos de paixão. Na altura iludia-se e, por instantes, até acreditava. Ou fingia que acreditava. Por vezes o amor fingido é melhor que o vazio. Aproveitava bem esses escassos momentos em que tudo parecia perfeito – uma forma de compensar as longas inquietações e angústias que se lhes seguiam. Onde estará ele? E o que estará a fazer? Com quem? O que pensará ele? O que quer de mim?
A falsidade é tão escorregadia como o óleo. Parece que fica para sempre, mas aos poucos vai-se escoando por onde pode até nada ficar senão uma mancha. Apenas nas telas é possível fixar a tinta de forma permanente. Na vida não. Gradualmente o colorido a óleo se foi esbatendo, fugindo por frestas e aberturas, desvendando aquilo que ele era. Às mentiras perdeu-lhes a conta, os enganos e falsidades foram em tal quantidade que, se fossem telas, nem todos os museus do mundo poderiam albergá-las. A isso se juntou a crueldade. Haverá algo mais cruel que magoar pelo prazer de magoar alguém?
Era o início do Verão. Foram à praia. Duas vezes apenas. Nunca se tinha sentido tão livre, tão plena de uma felicidade até então desconhecida. Tudo parecia certo, perfeito. A praia quase deserta. O Sol quente. O mar frio. Os seus corpos nus. As imagens apenas parecem verdadeiras quando vistas à distância – no tempo e no espaço. Faz agora um ano que foram aqueles dois dias à praia. Apenas dois dias, umas poucas horas. E agora, um ano depois, noutro espaço, a felicidade dela retratada num quadro desconhecido. A memória dói sempre mais nos quadros. Era aquela uma felicidade verdadeira?
Queria viver em frente ao quadro. Eternizar o momento. A única forma de viver aquele amor impossível – estática, imutável e suficientemente distante e irreal para não se destruir outra vez. Para não se partir toda.
Susana Caldeira Cabaço

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