terça-feira, 13 de abril de 2010

Se eu quisesse enlouquecia...

Seria extremamente fácil e talvez me fosse útil. Conseguiria chamar a atenção de alguns e afastar outros. Chegaria aquele ponto, ao ponto de ruptura.
Deixaria-me cair e levar-me pela loucura – ficava junto a ela. Era ela que tomava conta da minha vida – não eu, ela - a loucura.

Posso vê-la como uma mulher, suave e de olhar turvo, deitada numa chaise-longue a fumar cigarros com boquilha. De unhas vermelhas, perfeitamente pintadas e longas e mãos que lhe seguem os braços de cisne negro.

Tem uma pele de efeito mate, cheira a pó de arroz e tem o cabelo escondido num turbante. Sim, porque ela estava quase sempre de turbante. E fumava deitada. A loucura.

Dizem que há genes que se herdam com a loucura – como se fosse uma característica do corpo. Como uma marca. Talvez todos tenhamos a loucura cá dentro, uns a espreitam outras a ignoram.

Eu já a vi. Várias vezes. Ela jogava bridge com perícia, era linda e sempre inteligente. Casou-se até e teve 4 filhos. Não os conseguiu criar, claro que não. (Era louca)
Todos a conheciam, a ajudavam na sua loucura. Até eu que me vi várias vezes no quarto dela, a usar o batôn dela, a pôr os chapéus dela e o perfume dela.
Era fácil para mim enlouquecer. Era bom. Esquecia-me de mim e era ela, que como um fantasma paira e assombra os dias.

A loucura morreu há muitos anos, mas pelo menos, daquela casa e da filha que dela nasceu ela parece nunca ter desaparecido.
Se eu quisesse eu voltava lá, respirava o ar dela e enlouquecia.
Tenho tudo o que preciso, então.

Rita Saldanha, 25 de Novembro 2009 – Curso escrita criativa II

Nota: a minha Avó faria anos agora em Abril...

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