sexta-feira, 12 de março de 2010

Espero que a Primavera chegue mais cedo e confirme que o céu é azul

Espero que a Primavera chegue mais cedo e confirme que o céu é azul. Neste Inverno, com tantos dias de chuva, começo a duvidar que o céu, tal como sempre o conheci, seja ainda azul. Talvez tenha mudado de cor e agora seja cinzento, negro, às vezes um branco lamacento. Será que do céu, a partir deste momento, apenas cai água? Tenho saudades daqueles dias em que tudo está coberto de azul luminoso. Ou aqueles dias em que se vêm nuvens. O problema é que tanto o odeio como o desejo. Também gosto dos dias de chuva, mas esses são os dias de estar em casa, um chá quente nas mãos, a leitura de um livro ou ver um filme, daqueles antigos, tão a preto e branco como os dias de chuva. Ou então os dias de temporal, estar algures num bar à beira-mar e ver. Já senti medo de morrer demasiadas vezes, mas nunca à frente do mar. Acho que nunca irei morrer por causa dele. Gosto de ver o mar de Inverno, escuro e revolto, o som das ondas, respirar o sal.
Para cada mundo escrito tem de existir uma banda sonora. Por vezes até bastaria o som do mar de Inverno a bater nas rochas e a alisar a areia toda da praia. Já escrevi muito com esse som. A vida está sempre presa ao desejo e move-se por ele. Há muito tempo que não vejo o mar, este Inverno nunca o vi. Acho que, neste momento, um dos meus maiores desejos é voltar a ver o mar. Antes que ele acalme, se torne liso e receba os veraneantes que enchem a praia. Antes que os dias se tornem azuis: ver o mar. Espero que a Primavera chegue mais cedo e confirme que o céu é azul. Mas antes quero ver o mar a duas cores como nas fotografias antigas em que os poucos banhistas cobriam quase todo o corpo com roupa.
O medo mata mais. No parapeito da janela do meu quarto de infância viveu, durante anos, uma aranha amarela. Eu não tinha medo dela. Mas há sempre medo no que não nos é próximo e ela, um dia, desapareceu. A arrecadação, que ficava na cave, era o domínio do meu pai. É impensável escrever sem música. O meu pai não ouvia música na cave, quanto muito tinha um rádio onde ouvia os noticiários. Mas em casa ouvia-se sempre música, em discos de vinil, daqueles que eram grossos. Acho que nunca se iriam partir. Mais tarde os discos ficaram mais finos, mais frágeis e muitos partiram-se.
Gosto de inventar a existência de coisas nas nuvens que passam. Já senti medo de morrer demasiadas vezes. Para cada mundo escrito tem de existir uma banda sonora. O mar não me vai matar. Não vou morrer a olhar o céu ao som da banda sonora da minha escrita.
Susana Caldeira Cabaço

2 comentários:

  1. Susana, confirma-se, o céu é mesmo azul,os sonhos da cor que quizermos.

    Este ano dei por mim a desejar o azul apesar de preferir, também, algum cinzento. Um boa trovoada como espectáculo dos deuses, a praia ao abandono, o mar revolto a desafiar coragem e nós reconfortados pelo nosso poder:

    a independência dos elementos pelas nossas casas aquecidas; o homem a fazer de deus, e reinar enquanto borrascas teimam lá fora. Já tenho outra vez saudades de uma boa chuvada.
    Manuel Alonso

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  2. Susana: o céu é azul, sim. do mais azul que há. azul mar, azul indigo, todos os azuis que nos fazem acreditar que o céu quando vem todos os dias é só para nós. mesmo quando vem cinzento, continua a ser inteiro de azul luz.
    Manuel: se eu sei que fazes a dança da chuva, vais conhecer o tamanho da minha ira.o último não viveu para contar.... entendidos?

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