sábado, 27 de março de 2010

ele estava ali

ele estava ali há algum tempo.
aproximou-se devagar. não olhou para ela. não olhou para ninguém. apenas apoiou o cotovelo no balcão do bar. ela gostou. a postura era de homem, um homem a sério.
ele continuava sem olhar para ela. a sua mão segurava uma nota, a sua voz segurava um pedido:
vodka martini, agitado e não mexido.
o barman serviu-o. duas mulheres aproximaram-se. uma apoiou os dedos longos no ombro dele. mão sobre smoking. a outra pôs-se cara a cara com ele. nariz com nariz. lábios. e o copo dele, afastou-a, bebeu e sacudiu a mão da outra.
deu passos, deixou-as para trás, com desconcerto na cara.

agora olhava para ela. copo na mão. avançava para ela. e ela não o conhecia, mas ele segredou-lhe ao ouvido. e ela não o conhecia mas assentiu desarmada. ambos abandonaram o bar e o copo.

no quarto ela chamava por ele, clamava aleluias, deus do céu!
e ele via-se reflectido nos enormes vidros da varanda, no espelho escuro que existia depois da porta da casa de banho. ele via-se animal. um animal sexual vazio sobre uma louca em queda no amor. ele não sentia. ela sentia tudo. ele não sentia porque o corpo é uma máquina de estímulos, a sua cabeça: lenha sem chama.
a chama consome até à cinza.
mortos, somos cinza.

no dia seguinte ela estava na cama. ele não. os polícias olhavam para ela. para o seu corpo.
um pegou-lhe no pulso, disse: os mortos cheiram a cinzas.


Francisco Ribeiro Rosa

1 comentário:

  1. belo exercício, mas melhor que ler é ouvi-lo a partir de ti. acho que tinhas sucesso nos audio-livros, Xico! a tua voz é aussi genial!

    ResponderEliminar