segunda-feira, 22 de março de 2010

O Bolo de Aniversário

(a pedido da Rita Saldanha)

Olhou o bolo de aniversário carregado de velas, tantas quantos os anos que lhe passaram pelo corpo. Parecia que toda a superfície do bolo estava em chamas, aquela luz cortante a ferir-lhe os olhos, os gritos cantados a cortar-lhe os ouvidos.
Agora pede um desejo, avô, gritavam os miúdos todos os anos após a estridente e descontrolada cantoria que durava tempo demais tal como ele.
E todos os anos ele olhava aquele aglomerado de chamas pequeninas apertando-se umas contra as outras. Parecia que aquele bolo não acabava mais, ano após ano mais uma se lhes juntava e o bolo esticava, esticava. Até um dia, pensava, que rebente de vez.
O desejo, avô, insistiam.
O desejo era sempre o mesmo, desde os tempos em que naquele bolo apenas eram espetadas, à pressa, meia dúzia de velas tristes, já usadas de outros anos até se dissolverem na cobertura rala de chocolate.
Desde então o desejo era sempre o mesmo, apesar da saber que nunca se iria realizar. Mas desejava-o sempre, a mesma intensidade, a mesma força, ano após ano, vela após vela, até que o bolo se apague de vez.
Como fazer o tempo voltar atrás, interrogava-se. Era só isso que desejava, fazer o tempo voltar atrás para aquele dia em que tudo mudara. Como voltar atrás e ficar em vez de o deixar sozinho, tão pequenino que era?
Apagou as velas com o esforço da lembrança do irmão mais novo, ainda bebé, sozinho no chão, junto ao berço, corpinho sem vida, enquanto ele, alegre e esquecido, trepava alto a figueira do quintal até onde os seus sonhos iam, sem responsabilidades ou obrigações.
Apagou as velas como sempre, desde então, com as lágrimas do arrependimento.
Susana Caldeira Cabaço

2 comentários:

  1. Obrigada Susana, pois eu sabia que adorava este texto, apesar de só o ter ouvido uma vez, há muito tempo. Agora tenho a certeza que é um texto maravilhoso. Parabéns a ti.

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